Aos 100 dias de Milei, confrontos com a polícia e manifestações na Argentina

por Rachel Mestre Mesquita - RTP
Manifestantes protestam contra o plano económico do presidente argentino Milei e exigem recursos de assistência, em Buenos Aires Agustin Marcarian - Reuters

O presidente argentino, Javier Milei, celebra esta terça-feira 100 dias à frente do poder que tem usado, apesar da resistência do Parlamento, para levar a cabo a sua prometida "revolução" ultraliberal: sem espaço para défice, com cortes extremos nos serviços sociais e subsídios e privatizações. Com a Argentina a atingir níveis inéditos de pobreza, manifestantes saíram às ruas em todo o país para protestar contra o plano de austeridade do novo governo e em Buenos Aires foram confrontados pela polícia.

Pouco mais de três meses após a sua tomada de posse, o custo social das medidas do presidente “anarcocapitalista” está a asfixiar a população argentina. Apesar do orçamento mensal positivo, em janeiro e fevereiro, e de a inflação estar a abrandar – 25 por cento em dezembro, 20 por cento em janeiro e 13 por cento em fevereiro -, a pobreza continua a aumentar.

Segundo o Observatório Social da Universidade Católica (UCA), a taxa de pobreza no país é atualmente de 57 por cento (contra 41 por cento há cinco meses). A UNICEF alertou, na semana passada, para o aumento da pobreza infantil para 70,8 por cento e da miséria infantil para 34,4 por cento, se “as tendências atuais se mantiverem” no país.
"As pessoas estão conscientes de que estamos a atravessar um período muito difícil, mas começam a ver a saída, a luz ao fundo do túnel", afirmou Javier Milei.
A desvalorização do peso (de 54 por cento), a liberalização dos preços e o fim dos subsídios aos transportes e à energia estão a ter um forte impacto no poder de compra dos argentinos.

Em apenas dois meses, o poder de compra caiu 18 por cento, a pior queda dos últimos 21 anos, impactando negativamente o consumo e a atividade económica do país.
Conflitos pela "emergência alimentar"

Na segunda-feira, sob o lema "O limite é a fome", a população argentina saiu às ruas para apelar a uma “emergência alimentar” e protestar contra os cortes drásticos nos serviços sociais e nos subsídios previstos pelo plano de austeridade, imposto pelo presidente Javier Milei, que pretende solucionar a crise económica do país.
O dia ficou marcado por tensos confrontos entre a polícia e os manifestantes em vários pontos de acesso a Buenos Aires. Segundo a imprensa local, pelo menos três pessoas ficaram feridas e vários jornalistas foram atingidos por gás pimenta, incluindo um fotógrafo da agência France Presse (AFP).

A polícia utilizou canhões de água e gás lacrimogéneo contra os protestantes em vários momentos, tendo sido atiradas pedras para um dos pontos de tensão, uma ponte rodoviária de acesso à capital, observou a AFP.

As associações e movimentos sociais que organizaram o dia de ação de protesto denunciaram, numa declaração conjunta, a “falta de fornecimento de alimentos durante meses a milhares de cozinhas comunitárias de sopa em bairros da classe trabalhadora em todo o país", reduzidas a "depender do engenho dos assistentes sociais para encher as cozinhas de milhões de pessoas".

No entanto o novo Governo nega ter interrompido o fornecimento e afirma que está a realizar uma auditoria rigorosa à assistência social e a criar “um sistema transparente” sem a necessidade de recorrer a intermediários que o Governo descreve como “gestores da pobreza”. Javier Milei foi mais longe, ao ter acusado recentemente numa entrevista algumas das cantinas populares de serem fictícias, ou sobrevalorizadas.

"Vai-se a uma sopa dos pobres e percebe-se que ela não existe. Ou então, nalgumas delas, dizem que vêm 500 pessoas regularmente, quando nunca são mais de 50", afirmou.

Estas declarações causaram a indignação dos movimentos sociais, que afirmam que milhares destas cantinas nunca receberam a visita dos “auditores” do Governo.

c/ agências
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